terça-feira, abril 22, 2008

ELIZABETH: A ERA DE OURO

Domingo, 20 de abril, assisti Elizabeth: A Era de Ouro (Elizabeth: The Golden Age, Inglaterra / França, 2007). Saí de casa naquele impulso básico de fazer algo decente num domingo fim-de-tarde-feriadão chuvoso e porque era meu interesse ver como funcionava a corte na qual William Shakespeare – atual objeto do meu trabalho, em A Comédia dos Erros – prosperou. Isso o diretor Shekar Khapur ficou devendo. Na verdade o subtítulo é um equívoco. Da tal Era de Ouro vemos apenas uma referência enquanto a câmera gira em torno de Elizabeth I (Cate Blanchett) num brilhante vestido branco, coroada como a Estátua da Liberdade (a referência e o desagrado são meus. O filme nem americano é!). A história é um recorte da disputa entre a protestante Rainha Virgem e Felipe II (Jordi Mollá), rei da Espanha, fundamentalista, testa de ferro da igreja católica e que por artimanhas políticas consegue apoio do Vaticano e da Inquisição para atacar o reino inglês.
Parece um retalho muito pequeno, mas a direção consegue fazê-lo render nas conspirações internas entre os dois reinos, jogos de espionagem e dissimulação, atos de traição, covardia e bravura. Na visão de Khapur a decapitação de Mary Stuart (Samantha Morton), rainha dos escoceses e pretendente ao trono inglês, aprisionada por Elizabeth no castelo de Fotheringhay e estopim para a guerra santa de Felipe II, é responsabilidade indireta e dolorosa da rainha inglesa, enredada na conspiração espanhola que não mede esforços, dinheiro e amoralidade para alcançar seu intento. A cobertura do bolo, atrativo para o público habitual das vesperais é o amor proibido entre Elizabeth e o aventureiro Sir Walter Raleigh (Clive Owen). O filme todo é pródigo em referências às responsabilidades, limites e castrações que o poder traz, seja dos súditos, “mortais, mas com a possibilidade de amar”, nas palavras de Raleigh, sobretudo na realeza, no choro sufocado da rainha entre suntuosos vestidos, palácios e pretendentes tão prisioneiros quanto ela. Mesmo a morte de Stuart é imposta pela sua condição de regente. Ante a relutância de Elizabeth, seu conselheiro Sir Francis Walsingham (o excelente Geoffrey Rush) lembra que a misericórdia real custará a paz de todo o povo.
Com uma cenografia e direção de arte econômicas, mas belas, iluminação eficiente, que dá um ar dramático às cenas, locações suntuosas, figurino arrebatador vencedor do Oscar 2008, e uma trilha sonora coerente que age nos momentos certos criando devidamente os climas das cenas – vide a narrativa das viagens de Raleigh à monarca e suas aias, Elizabeth: A Era de Ouro é um filme que vale a pena assistir sem ser inesquecível. Não é histórico o bastante, nem totalmente romântico, ou cheio de batalhas. Tem o bom e velho discurso da rainha ante seus minguados soldados prestes a oferecer o pescoço ao evidentemente maior poderio inimigo e fatos quase miraculosos que favorecem os poucos e bons ingleses contra os numerosos e malvados espanhóis e seus aliados. Aliás, mais de uma vez a luz incide sobre Blanchett dando à rainha ares de criatura divina que do alto dos rochedos comanda os ventos e tempestades, iniciando uma nova e próspera era que se eu quiser conhecer melhor, terei de buscar nos livros de história.

HUDSON ANDRADE
Belém, Pará, 22 de abril de 2008 AD
10h05

segunda-feira, abril 14, 2008

FRIO POR DENTRO E POR FORA

Depois de um longo e tenebroso inverno eis que voltamos. Mas o frio persiste.
Nos últimos dias 06 e 13 de abril estive no Teatro Margarida Schiwazzappa, no CENTUR. No primeiro dia assisti Homem de Barro, da Companhia de Intérpretes Independentes (AM), dirigida pelo paraense Ricardo Risuenho, radicado em Manaus. Ontem foi a vez de Amor e Loucura, do grupo baiano A Roda, que utiliza a linguagem de formas animadas.
Homem de Barro surge de um trabalho interdisciplinar de profissionais das áreas de humanas e biológicas. Enquanto estudo está perfeitamente embasado na teoria e experimentação que Risuenho propôs. Como espetáculo, é frio e distanciado como uma aula expositiva; tão burocrático e formal quanto o capítulo sobre doenças da pele lido em cena pelo coreógrafo e diretor. Em cerca de 40 minutos de coreografias simples e recursos áudio-visuais, o espetáculo se arrasta confuso e ao final sem que a campa toque, o público (pelo menos os não iniciados) sai sem ter compreendido bem a matéria.
Amor e Loucura utiliza elementos mitológicos para falar de dois sentimentos humanos que parecem andar lado a lado. Na seqüência final o Amor – Cupido cego – montado na Loucura, dispara continuamente suas setas a esmo. Apesar de bela a significativa, a imagem não me emocionou. Na verdade o espetáculo não emociona. Amor e Loucura é a prova de que teatro só funciona pelo encadeamento total dos elementos que o constituem. O texto, suntuoso, mas um tanto obscuro, entra em off numa voz feminina e monocórdia que em poucos dos quase 90 minutos de espetáculo provoca uma sonolência quase tão irresistível quanto as flechas envenenada do Amor. A luz não delineia bem as cenas que em alguns momentos ficam na penumbra, mal definidas se fazem parte do espetáculo, ou se são transições de uma cena para outra. Os belíssimos bonecos e elementos em madeira e ferro, detalhados, articulados, criam imagens que se seguem a imagens sem, no entanto, deixarem de ser apenas isso: imagens. Essa falta de conexão cria aquelas situações constrangedoras de se dizer, “o espetáculo?... bonito o cenário, não?!”
Saí para a rua numa Belém vazia e chuvosa sem que tivesse conseguido aquecer meus sentidos e coração.
O que será que me aguarda daqui sete dias?

Ah! Vou procurar ser mais presente.

Belém, Pará, 14 de abril de 2008.
11h30