domingo, novembro 18, 2007

DANÇARÁS, DANÇARÁS ETERNAMENTE

De 09 a 11 de novembro últimos aconteceu no teatro Gabriel Hermes, do SESI, a 6ª edição do FEDAP – Festival Escolar de Dança o Pará, promovido pelo Colégio Moderno e Companhia Moderno de Dança, com o patrocínio (isso é sempre bom que se diga), de LUMAR, Delta Gráfica, Doc Brasil e FIDESA, e o apoio de O paidégua.com, CAD, Gol sports e InterCrédito.
O FEDAP que tem como objetivo reunir os diversos grupos pertencentes às instituições de ensino formal do estado, oportunizando o espaço para a divulgação das produções coreográficas das escolas paraenses públicas e privadas e propiciando o intercâmbio de informações artísticas entre essas instituições. Não há premiações em dinheiro, mas três grupos recebem destaque pela sua produção e todos são premiados com troféus.
Nos três dias de festival se viu de tudo: singelas coreografias com crianças que mal davam dois passos sem trocar as pernas, enchendo sua mães de orgulho, até trabalhos mais elaborados. A modéstia, certíssimo, passou longe e mesmo os figurinos mais simples tinham cor e brilho; outros, abusando da criatividade, criavam estranhas figuras em cena, ou dificultavam a dança; uns poucos absolutamente equivocados, certamente pela falta de um suporte técnico maior.
Os números apresentados abriram mão e cenários, apontamentos, adereços e mesmo um desenho próprio de luz, buscando, quem sabe, concentrar-se na coreografia.
As coreografias são o capítulo principal desta história. Fui chamado a avaliar os grupos dentro de uma visão mais teatral e nem poderia se diferente porque eu no tenho formação, ou estudo em dança, mas estava ladeado por dois dos melhores da área no Pará, Marilene Melo e Ronald Bergman, que comentavam entre si e não se furtavam a responder meus questionamentos, esclarecer dúvidas, ou generosamente tecer comentários que muito ajudaram na minha avaliação. De qualquer forma o menor conhecimento teórico não diminuiu meu senso crítico, muito menos minha emoção. Aqui reside minha pedra de toque!
Reunidos no mesmo palco e sob os mesmos olhares dançarinos de escolas públicas, de onde destaco a EEEM Luís Nunes Direito, cujos dançarinos ratearam entre seus professores a taxa de inscrição no evento – palmas a esses educadores que entenderam o valor da arte e a importância de se fazer presente num evento como esse, seja para os alunos, seja para a instituição que os acolhe –, o Centro Performático de DANÇA Fragmento, da escola Aluísio da Costa Chaves, de Concórdia do Pará, que enfrentou quatro horas de viagem de balsa e ônibus, alunos de projetos sociais, até os nomes mais tradicionais da educação belemense. Aos primeiros o meu aplauso e o merecido reconhecimento, dado em conjunto pelos três jurados. As distâncias e dificuldades lhes deram a garra para estar em cena. Nenhum grupo participante demonstrou mais energia, precisão e harmonia do que eles. Era possível ver a técnica despontando, o talento nato que horas de estudo e treino tornarão virtuosismo. E se as coreografias careciam de técnica apurada , ou maior aprofundamento teórico, a afinação do grupo, agilidade, precisão e força cativaram o público, que os aplaudiu veementemente. Uma boa parte dos grupos de Belém,sobretudo s de escolas particulares (mas não por exatamente por isso!) optaram pelo lugar-comum, pela porta larga, apresentando coreografias opacas, repetitivas, sem técnica, ou estudo, na palavra dos meus parceiros; algumas parecendo ter sido feitas em série, alterando apenas o figurino e a música, ou nem isso, usando canções diferentes com o mesmo arranjo eletrônico. Essa apatia ficou visível quando do bate papo com o bailarino Ed Louzardo, convidado do festival, que falou para uma pequena platéia que foi conferir mais do que uma história de vida, mas uma história de aprendizado, assim como na ausência de oficinas que, segundo os organizadores, não acontecem pela falta de interesse dos inscritos. O que justificaria isso?
Bom é ver que em sua grande maioria, as escolas têm investido em grupos de arte entre seus alunos, seja na dança, teatro ou outra forma de expressão. É inegável o valor dessa atitude na formação cultural, social, intelectual e mesmo moral desses jovens cidadãos, criando a consciência de que o fazer artístico não é algo para iniciados, tampouco marginal; é absolutamente importante que se veja e faça, que se saiba não serem apenas os gênios isolados que nascem aqui e ali os dotados de um pretenso dom artístico. O conhecimento, a pesquisa séria, o estudo aprofundado e muito, muito, muito treino podem tornar qualquer um Artista, assim mesmo, com A maiúsculo. Que o diga Ed Louzardo, que iniciou seus estudos nos projetos sociais da comunidade Riacho Doce e hoje brilha em São Paulo, aplaudido entusiastica e merecidamente em sua terra natal. Louzardo e outros convidados: Cia. Ribalta de Dança, Grupo Coreográfico da UFPA, Cia. Compassos da Dança, SESC Cia. de Dança, o projeto Aluno Bailarino Cidadão, Grupo de Dança Moderno em Cena, Cia. Moderno de Dança (ver RITUAL DE PASSAGEM), entre outros, são capítulos à parte, um trabalho brilhante, perfeito pelo menos aos meus olhos (invejoso lá o meu canto!).
Calcem todos seus sapatinhos vermelhos e dancem. Aqueles que não abraçaram a dança, ou não foram por ela abraçados, simplesmente sucumbirão exaustos. Aos outros, Dançarinos, Bailarinos, pequenos, grandes, de ambos os sexos, de todas as cores, os passos enfeitiçados e nossos reiterados aplausos.

sábado, novembro 17, 2007

EU 12

Tem umas horas em Belém que nem mesmo quem nasceu aqui agüenta. Nesses momentos desafiar um tacacá pelando com pimenta é praticamente um suicídio. Alguns fazem!
Eu desci a alameda da Praça da República que leva ao anfiteatro e sentei num banco sob uma mangueira. Uns poucos centímetros me separavam de uma mancha de luz que avançava conforme o sol se movimentava no céu. Não deve me alcançar, pensei. Vou ficar por aqui mesmo. Abri os botões da camisa até o final do peito, apoiei os cotovelos nos joelhos e dobrei o corpo pra frente, fechando os olhos, tentando abstrair aquela sensação quente e levemente úmida do ar, que fazia pequenas gotas brotarem entre os pêlos do meu braço. Em volta o ruído do trânsito e as vozes de algumas pessoas e periquitos.
Ele sentou a me lado tão em silêncio que quando o percebi já deveria estar ali há vários minutos. Olhei-o por baixo, pelo canto dos olhos. Parecia funcionário de algum banco. Calças sociais, sapatos combinando com o cinto, a camisa de mangas longas enroladas até acima dos cotovelos, um cabelo estiloso, pulseira de metal no pulso esquerdo, gravata. Ele sentou-se na beira do banco e espreguiçou-se longamente, gemendo baixinho. Depois tirou os sapatos e apoiando os pés sobre eles sacudiu-lhes os dedos, protegidos por meias pretas, ou marrons, não sei ao certo agora. Apoiou a nunca com as duas mãos e bocejou alto. Estava tão à vontade que quase se assustou comigo ao seu lado, olhando-o com um leve sorriso nos lábios. Ele também sorriu e comentou algo sobre o calor e o expediente da tarde, que eu respondi meio atravessado, que não gosto muito que estranhos falem comigo. Como que adivinhando meus pensamentos, ele estendeu a mão e se apresentou, ao que eu respondi com o mesmo gesto, algo afetuoso.
Engraçado que depois disso nos calamos, olhando pra frente, ele com a nuca ainda entre as mãos, esticado no banco, os dedinhos dos pés sacudindo. Eu empertigado, as mãos juntas entre as pernas. Não corria um vento, ninguém passava por ali, nenhuma pessoa gritava vendendo nada e mesmo os carros não cruzaram aquela rua em frente de onde estávamos. Era um silêncio tão grande, tão presente, que parecia uma terceira pessoa sentada entre nós.
- Tens namorada? – ele perguntou, súbito
- O quê?” – perguntei sem me virar.
Ele também, parado:
- Namorada. Tens?
Permaneci na mesma posição e respondi:
- Não!
- E namorado?
Olhei aquele rapaz com surpresa. Isso é pergunta que se faça? Ele também me olhou, as mãos no mesmo lugar, com uma cara de o–que-é-que-foi-que-eu-disse-de-errado? Sorri:
- Não, também não tenho namorado!
De repente aquele silêncio de novo. Desta vez mais forte, angustiante até. Na minha cabeça uma separação recente e mal resolvida. Uma sensação desagradável de abandono, de não ter sido bom o bastante, de ter sido bom demais, de não ter dado a devida atenção, de ter grudado muito. Dúvidas demais, ausências demais pra sustentar um relacionamento.
Virei levemente o rosto. O rapaz ao meu lado também. O que estaria se passando naquela cabeça aureolada de castanho?
Nós ficamos nos olhando, tentando entrar na mente um do outro, entender o que se passava, adivinhar o que o outro queria. O que cada um de nós queria. Então todo o burburinho da cidade encheu a nossa volta e nunca nos sentimos tão invadidos quanto naquele momento. Foi um tal de ajeita daqui, senta direito dali, fecha os botões da camisa (então era ali que ele estivera olhando um tempo! Será que pro meu peito, ou pra medalhinha dourada de São Francisco de Assis?). Confesso que também tinha olhado muito pra ele. Quanto tempo gastamos naquele jogo? Por que tudo parecia tão difuso? E tão promissor?
Agora, sentados socialmente um ao lado do outro, parecia que não havia muito mais a fazer, ou dizer. Então ele levou o joelho devagar contra a minha perna e eu levei o meu joelho devagar contra a perna dele e pressionamos um ao outro, olhando sempre em frente.
- Tenho que ir! Ele disse, pondo-se rapidamente de pé.
Girou o corpo e saiu caminhando. Pensei apenas um segundo e também fiquei de pé.
Dei de cara com um senhor barrigudo, pasta executiva na mão, acendendo um cigarro e nos olhando. Encarei o homem. Dei um suspiro. Olhei o rapaz que já ia longe e me enchi novamente de dúvidas...

AGORA A DECISÃO É SUA, LEITOR. O QUE EU DEVE FAZER?

FINAL 1


Sabe quando pinta aquela dúvida? Será isso, será aquilo? Aquele homem a minha frente, cigarro em punho, era a imagem de tudo o que eu deveria fazer da minha vida. Acomodar-me no que é certo, justo e bom. Não investir em algo tão improvável. O que é que aquele rapaz poderia querer com um cara com eu? Ele queria mesmo alguma coisa comigo, ou meu vazio estava me fazendo imaginar coisas?
Segundo suspiro. Vi o rapaz parado na esquina da Oswaldo Cruz, me olhando de lá no exato momento em que o sinal abriu. Ele seguiu no meio de todo mundo e sumiu na esquina do INSS.
Passei a destra no cabelo e caminhei na direção da Assis de Vasconcelos.
Estava quase certo que tinha feito a melhor escolha. Quase!

FINAL 2

Sabe quando pinta aquela dúvida? Será isso, será aquilo? Aquele homem a minha frente, cigarro em punho, era a imagem de tudo o que eu deveria fazer da minha vida. Acomodar-me no que é certo, justo e bom. Não investir em algo tão improvável. O que é que aquele rapaz poderia querer com um cara com eu? Ele queria mesmo alguma coisa comigo, ou meu vazio estava me fazendo imaginar coisas?
Só tinha um jeito de saber. Passei correndo pelo velhote que amassou com violência o cigarro ainda inteiro no chão e resmungou alguma coisa.
Alcancei o rapaz na esquina da Oswaldo Cruz justamente no momento em que o sinal abriu e uma multidão avançou rua abaixo. Menos nós dois. Nenhum de nós arredou pé. O sinal fechou, abriu de novo e nós ali. Rimos.
Mãos nos bolsos, caminhamos pelo calçadão na direção do Teatro da Paz. Olhei pra cima.
- Vai chover!
- Seria bom, não seria?
Sorri:
- Seria, sim. Muito bom!

ESCOLHA O FINAL E RESPONDA NA ENQUETE NESSE MESMO BLOG. ESTOU ESPERADO TUA RESPOSTA.
OBRIGADO E BEIJOS!

terça-feira, novembro 13, 2007

RITUAL DE PASSAGEM

A matéria tem diferentes estados físicos e passar de um para o outro demanda ganho, ou perda de energia. Noutro aspecto, uma recombinação atômica permite que determinado corpo se altere. É assim que a simples adição de um átomo de oxigênio transforma a água essencial à vida num elemento corrosivo. Esse ponto de mutação é delicado e exige uma intrincada combinação de fatores. Entre os seres vivos essa recombinação pode dar origem a indivíduos que sequer vingam, outros que expostos às implacáveis leis da natureza, não resistem e morrem. Aos que sobrevivem, a eternidade, até que uma nova mutação os transforme novamente em algo melhor.
Assisti Homo Mutabilis (é, decididamente eu não gosto desse nome!) coreografia de Ana Flávia Mendes vencedora do Prêmio Secult no VIII Encontro Internacional de Dança do Pará – EIDAP (*) no último dia do VI FEDAD (Leia DANÇARÁS, DANÇARÁS ETERNAMENTE), domingo, 11 de novembro. A saga do homem sobre a Terra, do primitivismo animal ao sapiens sapiens (e além?) é contada nos gestos precisos dos intérpretes-criadores da Companhia Moderno de Dança. Assumindo todo o palco e todos os planos e ângulos disponíveis, vemos esse bicho estranho avançar e crescer. Signos como agrupamentos, a roda ancestral, reforçam a idéia de sociabilidade, que se nos animais mais inferiores é o elemento básico de proteção e conquista de alimento e moradia, nos humanos alcança o ponto máximo, permitindo que nos tornemos senhores deste mundo e mesmo subvertamos essa lógica, deturpando-a na pressão de uns povos sobre outros, na contramão da própria razão evolucionista.
Em Homo Mutabilis a luz ora apaixonada, ora branca espalha e agrupa os seres; o uso de tipitis evoca a natureza, nossa regionalidade. Presentes no palco desde o início da cena e incorporados aos bailarinos, é ressignificado enquanto corpo, elemento de mudança. Os gestos são vigorosos, a música batuca na carne, porque toda mudança exige energia. Energia que extrapola os corpos que rodopiam e saltam no palco e invadem os nossos que, tensos, esperam que eles e nós mesmos, num estalo, sejamos outros. Sejamos novos.
Ana Flávia e seus co-criadores conseguem dar mais um passo na afirmação de sua identidade e excelência, sobrevivendo ainda uma vez nesse turbilhão de tantas experimentações infrutíferas.
Para eles, a eternidade. Inconclusa. Porque para não serem extintos, a Arte lhes exigirá uma nova mutação.

(*) O prêmio Secult contempla companhias com trabalhos autorais e experimentais em dança. O EIDAP é uma promoção do Centro de Danças Ana Unger e aconteceu de 13 a 16 de setembro passado.