terça-feira, outubro 30, 2007

POLÍCIA E BANDIDO

Faz um tempo considerável que não vou ao cinema e o maior motivo disso é a baixa produção cinematográfica atual. Sempre me questionei quanto à indústria americana que tem dinheiro pra investir em cada porcaria que meu-pai-do-céu! Enquanto comércio eu tenho certeza que eles têm consciência o que estão fazendo. Sabem que tem público pra comédias românticas, ou adolescentes, sexualidade mal-resolvido, ou irrefletida, muita pancadaria, melodrama e mensagens de como o mundo poderia ser melhor se todos nos curvássemos a eles. Tudo isso com grossas camadas de glacê, calda, cereja e confeito colorido! Por conta da minha dieta restritiva, declino da oferta!
Mas ontem decidi quebrar meu jejum e prestigiar a prata da casa. Saí embaixo de um toró paraense pra assistir Tropa de Elite. Tem gente falando bem – a maioria – e outros falando mal. Sempre! Decidi tirar minhas próprias conclusões e fui ao cinema, como acho que deve ser, apesar de dois terços dos meus amigos já terem visto o filme por “3 real”.
Com direção e roteiro de José Padilha (Ônibus 174) e com o excelente Wagner Moura (capitão Nascimento) encabeçando o elenco que tem ainda André Ramiro (André Matias), Caio Junqueira (Neto), Maria Ribeiro (Rosane), Fernanda Machado (Maria) e Milhen Cortaz (capitão Fábio), o filme conta a trajetória de Nascimento, capitão do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) do Rio de Janeiro, os Caveiras, na busca de um homem à altura de substituí-lo no comando de sua tropa. Dividido entre a esposa às vésperas de ter seu primeiro filho, uma missão que ele considera insana e um senso de dever e justiça muito próprios, Nascimento vai se aproximando perigosamente de um limite que na sua função, seria fatal.
Enquanto produto cinematográfico, Tropa de Elite é um ótimo filme, apesar dos sempre presentes problemas de som e aqueles buracos comuns nos roteiros: pra onde foi a família de Nascimento? Ou isso não importa? Pra linha mestra do filme, não. Para quem se identificou com o capitão, talvez. E o maconheirozinho que provoca, por vingança, a morte do aspirante Neto? Depois da surra em uma dessas passeatas pela paz – ação onde André Matias reforça todo o imaginário sobre violência e arbitrariedade da polícia que ele próprio negara anteriormente -, o personagem some pra nunca mais. Pequenas coisas talvez, mas que não passam despercebidas.
Voltando: é muito bom ver o cinema nacional maduro, falando de coisas que lhe são próprias, sem tentar encampar ideais estéticos e falas alheias. Os americanos têm o Vietnam, nós, a ditadura militar. Os gringos têm seus serial killers, nós, os traficantes, a miséria, uma desesperança mulata, carnavalesca, girando na sujeira das periferias e aridez dos sertões como uma velha baiana na quarta-feira de cinzas. Tropa de Elite é um filme enxuto, interpretações de boas a excelentes, uma trilha sonora condizente e que jamais estará na minha estante, uma câmera nervosa que compartilha da nossa angústia morro acima, uma luz nublada, diversa dos cartões postais que aqui não têm espaço. Tropa de Elite é um filme maniqueísta. E ele se diz assim na fala do próprio Nascimento: polícia no Rio de Janeiro ou é corrupta, ou é honesta, ou mete a cara. Bandido é bandido e bem melhor se estiver morto! Infelizmente não dá pra não ser maniqueísta. O roteiro constrói personagens a quem não se dá o direito de escolha, com nuances de personalidade muito pálidas, como os deuses do Olimpo, invejosos dos homens mortais que podem ser o que quiserem. Nascimento é um desses deuses, criado para ser eficiente, honesto, inflexível, objetivo, mas que deseja um domingo de sol com a esposa e filho na beira da praia de um Rio de Janeiro que continua lindo. Que continua sendo...Padilha, no entanto, nos brinda com uma pequena jóia. Assistir Tropa de Elite é um exercício de entregar-se, ou de recuar. Queira o não queria, o estômago vai estar sempre embrulhado e é bom que seja assim. Os risos nervosos da platéia, o silêncio, o mexer-se na cadeira dizem que aquilo nos diz respeito. Parabéns, Padilha. Missão dada. Missão cumprida!

sexta-feira, outubro 05, 2007

EU 11

Sentei no banco e procurei controlar a respiração. O pequeno telhado que nos protegia ainda pingava e os arbustos e flores em torno, enfeitados de pingentes, permaneciam imóveis. No alto, algumas nuvens se desfaziam em gotas pequenas e esparsas; outras eram desfiadas pelo vento.
Olhando o céu quase escuro, em parte pela chuva, em parte pela hora, pensei se demorarias, me recusando a olhar o relógio.
E assim foi por 20 minutos.

Bem em frente, num coreto, um casal se abraçava, ele protegendo a namorada – penso que era sua namorada – do vento frio que corria. Ela, aconchegada, colocava as mãos por sob a camisa dele, às costas, aquecendo as palmas. Nenhum dos dois dizia nada. A moça permanecia mesmo de olhos fechados, entregue, um leve sorriso no rosto, enquanto o jovem, atento, olhava sério o entorno.
Fazia muito tempo desde a última vez que estivemos abraçados daquele jeito quase displicente. Nos poucos momentos em que estivemos juntos, os abraços foram sociais, apertos de mão burocráticos, cumprimentos formais, olhares e sorrisos camuflados. Procurei não pensar que não sentias falta do meu calor.
E assim foi por 30 minutos.

Um rapaz moreno sentou na outra ponta do banco. Parecia um pouco ansioso. Perguntou as horas. Menti que não sabia dizê-las! Num instante um grupo ruidoso de rapazes apareceu e meu vizinho se foi, deixando um rastro desagradável de fumaça de cigarro. Uma senhora, cabelos brancos, também sentou no meu banco. Chegou lenta, permaneceu com a calma de quem não espera muito mais da vida e foi embora devagar, apoiando o corpo em uma perna de cada vez. E um rapaz com um violão, mas ele não tocou; e um senhor que discutia negócios ao celular e uma mocinha que procurava emprego nos classificados do jornal, marcando círculos com hidrocor vermelha.
Nenhuma daquelas pessoas me dirigiu mais do que um olhar, ou uma pergunta simples. Ficamos sentados em lados opostos de um mesmo banco de praça, indiferentes um aos outros. Me esforcei pra não pensar em nós, que há muito permanecíamos (indiferentes) em lados opostos de uma conexão virtual.
E assim foi por uma hora!

Quando por fim levantei não havia mais quase ninguém na praça e as luzes dos postes já tinham se acendido há tempos. Não vieste. Nunca vinhas! Esperei porque... Por que?
Iria pra casa, trocaria os lençóis, colocaria no cesto de roupa suja as peças que usaste pra dormir muito tempo atrás, trocaria o retrato no criado mudo, alteraria meu perfil no Orkut e te escreveria um e-mail de despedida... Deu saudade dos bilhetes com letra caprichada no papel, com algum perfume de quem os escreveu e que dava vontade de guardar entre as folhas de algum livro. Deu saudade de tanta coisa. Até mesmo de ti. Mas rápido deletei aquele pensamento, julgando por orgulho que eu não tinha lugar nos teus.
E foi assim pra sempre!!

10.09.2007. 3h05 – 9h26.