quarta-feira, junho 27, 2007

EU 7

Pára de me olhar desse jeito.
Pára de me provocar!
Eu sei que não vai acontecer nada entre a gente, mas essa viabilidade mexe com a minha cabeça.
Imagina quantas vezes, desde que tudo isso começou – e foi há muito tempo! – que o chuveiro teve que me lembrar que não havia mais ninguém no quarto?
(- Risos.)

Pára de me olhar assim.
Pára de provocação!
Será que a gente é maduro o suficiente pra encarar uma história dessas?
- Eu sou!
Tu és?! Eu sou?
Tu estás acostumado com essa gente toda atrás de ti, correndo e babando, prontas pra te satisfazer, prontas pra se satisfazer; mas cada uma delas: da paty do cursinho à empregadinha gorda, são só parte de um mesmo rebanho de abate.
Comigo não funciona assim, que eu sempre fui sozinho!

- Pára de me olhar desse jeito!
(...)
- Pára de me censurar que também tiveste participação nisso tudo! Nunca percebeste o jeito que me olhas? Nunca te tocaste do timbre estudado da tua voz? Do teu abraço?
Eu não tive a intenção...
- Ah! Tiveste sim! Cada gesto teu foi pensado, cada palavra estudada. Cada insinuação tinha um objetivo. Me mostraste um mundo diferente do meu que eu nem sei se quero experimentar, mas essa viabilidade mexe com a minha cabeça.

Ficamos olhando um pro outro, a eletricidade dos nossos corpos nos atraindo na proporção direta das nossas massas, na proporção inversa das nossas dúvidas.
Um passo a frente meu. Outro dele.
Pro inferno esse não saber-querer-poder que só se vai se ter certeza se.
Uma leve campainha e a porta do elevador abriu. Passei a mão pelo cabelo, ele estalou os dedos das mãos. A senhora do lado de fora nos olhou de alto a baixo e com um sorriso Monalisa deixou que a porta se fechasse novamente.
Mas aí...

Modificado em 26 de junho de 2007.
23h56

NESSES TEMPOS DE DIVERSIDADE.

Brasil. São Paulo. Avenida Paulista. 300 mil pessoas – número que pode colocar a manifestação paulistana no livro dos recordes – se reúnem sob a bandeira do Arco-íris. Da senhora de 92 anos que defende o amor como um fenômeno universal, àqueles que permanecem distantes em camarotes e calçadas, aos que torcem o nariz, todos viram passar a colorida e musical Parada do Orgulho Gay, realizada dia 10 de junho último; gente extravagante que vai às ruas pedir contra o preconceito e a homofobia.
Há quem ache tudo uma grande micareta. Alguns defendem a Parada como um veículo de visibilidade e luta. Difícil chegar a um consenso no meio de tanta gente.
Dois, ou três anos atrás participei da Parada Gay de Belém e estou inclinado a concordar com os primeiros. Não vi nessa oportunidade uma força política capaz de alcançar os objetivos teoricamente indicados. A bem da verdade, será preciso bem mais do que paradas para mudar uma mentalidade arraigada por séculos de formação preconceituosa e de falta de respeito.
Essa mentalidade tolerante precisa começar em casa, numa criação menos machista onde os filhos varões mais novos não sejam servidos pelas mães. Passa pela escola onde as diferenças sociais, econômicas e mesmo culturais sejam tratadas com ética. Consiste numa visão livre de dogmatismos e ordenanças baseadas em opiniões pessoais de qualquer setor religioso. Solicita a retirada das diferentes mídias de personagens caricatos, bichinhas afetadas e vilões afeminados. Está no entendimento preciso do que é diversidade e na busca de um equilíbrio que jamais significará a padronização de comportamentos, sequer sua aceitação parcial, ou plena. Está sobretudo no auto-conhecimento e no respeito a si mesmo e ao próximo.
Ser. Gay, negro, mulher, idoso, especial, menor, suburbano, analfabeto, caipira, caboclo, muçulmano. Alcançar a plenitude de um estado individual que é a célula-tronco de um organismo vivo e saudável. Ser. Aceitar-se, perceber limites – os seus e os alheios –, ajudar a construir com uma postura digna uma imagem.
Ser e ser feliz, meta de toda criatura humana.

PALCO GIRATÓRIO I

O QUE É O PALCO GIRATÓRIO.

A alma de um povo é a sua cultura. De que adianta desenvolver a indústria e o comércio, aumentar o PIB, democratizar a informática, alfabetizar jovens e adultos, fornecer bolsas assistencialista (mas válidas) para alimentação e vestuário, se aquilo que o povo é se estiola?
Porque sem cultura só resta a uma nação retornar ao pó de onde veio.
Num sentido mais amplo a cultura de um povo é o cabedal de conhecimentos, a ilustração, o saber de uma pessoa, ou grupo social, padrões de comportamento, crenças e costumes que os distinguem. Suas danças, musicalidade, imaginário; as histórias que formam a base da sua literatura, poesia e cinema; os ritmos que unem nossa ancestralidade e futuro.
No Brasil existem vários projetos de incentivo e apoio a cultura. Longe de tentar estabelecer um juízo de valores, reconhecemos que de uma maneira geral esses programas estão muito aquém das nossas necessidades. Nem falo apenas de patrocínios, faixa riscada de um disco de vinil, mas de formação de platéias, desenvolvimento teórico e prático de artistas, mapeamento, pesquisa e divulgação das muitas formas de arte produzidas no país.
Dentre esses projetos destacamos o Palco Giratório, idealizado pelo Departamento Nacional do Serviço Social do Comércio – SESC, constituindo-se num programa de circulação nacional de teatro e dança. Em sua primeira edição, em 1998, apenas cinco estados foram contemplados. Com o passar dos aos outros estados foram aderindo ao projeto e atualmente, apenas Espírito santo e Minas Gerais não participam do Palco Giratório. Em Belém o projeto chegou somente em 2004, onde ocorreu apenas a última das quatro etapas anuais.
Em cada etapa grupos convidados são levados a outros estados onde apresentam seus trabalhos, ministram oficinas e trocam experiências com os artistas locais.
Não existem uma periodicidade específica para cada etapa, que buscam, principalmente atender as demandas dos locais onde ocorrem.
Em 2007, por conta dos dez anos do Palco Giratório, além das quatro etapas tradicionais – maio, junho, agosto – quando o grupo visitante deverá permanecer pelo menos uma semana em Belém – e outubro – irá acontecer uma programação especial, em setembro.
Hoje o Palco Giratório é conhecido como uma rede de difusão de artes cênicas, porque não se limita a apresentações de espetáculos – sempre com um bate-papo ao final entre a equipe e a platéia –, mas inclui em sua programação oficinas, Pensamentos Giratórios – troca de idéias entre diretores visitantes e locais. Um debate com temática referente ao trabalho do grupo; Intercâmbios – onde o grupo visitante assiste ao espetáculo de uma companhia local e é estabelecido um dia para troca de experiências; Intervenções Urbanas – pequenos esquetes apresentados três vezes ao dia em locais de grande movimento e em horários de pico, além de outros programas relacionados, chamados Aldeias – pólos culturais de ação. Em Belém acontece a Aldeia Círio – Mostra SESC Círio de Artes, reunindo música, teatro, cinema, artes plásticas, numa extensa programação.
O Palco Giratório promove também o Festival Nacional Palco Giratório. Para Belém existe uma proposta para 2008 de um grande festival de teatro que reúna 12 grupos que fazem parte do circuito do Palco Giratório, apresentando dois a três espetáculos, além de companhias locais, com trinta dias de programação com apresentações diárias em diferentes pontos da cidade.

O Palco Giratório prima por buscar trabalhos e companhias fora do eixo comercial Rio – são Paulo, priorizando grupos que desenvolvam pesquisas em artes cênicas, empenho e qualidade nos seus espetáculos. Acredita assim valorizar e democratizar as artes cênicas. Todos os espetáculos têm entrada franca, com ampla divulgação pela mídia. Para conseguir esse feito, o SESC conta com recursos próprios – prova de que instituições sérias prezam a cultura de seu povo e reconhecem o imenso retorno que isso proporciona – e apoios. Em Belém o SESC conta com a colaboração do Instituto de Artes do Pará – IAP, Teatro Maria Sylvia Nunes, da Estação das Docas, Hotel Regente e Casarão do Boneco. Mas nas palavras do Ângelo, o maior apoio é mesmo da classe artística, que participa em peso de toda a programação, assistindo, acolhendo, trocando, incentivando.

Colaborou com este artigo Ângelo Franco, técnico de cultural do SESC-PA.

domingo, junho 24, 2007

EU 6

O telefone tocou ainda umas três vezes. Olhei em volta esperando que outro funcionário atendesse, mas todos estavam ocupados. Entre resignado e irritado, tomei o fone e o engatei entre a orelha e o ombro, falando ao mesmo tempo em que digitava intermináveis planilhas. A primeira fala foi dele:
- Esse teu negócio com aquela menina tem me deixado muito incomodado!
Surpreso, parei os dedos sobre as teclas, peguei o fone, olhei em volta. Todos ainda ocupados, mas da mesma forma que eu atendi, outro poderia tê-lo feito.
- Estás me ouvindo? – ele insista do outro lado da linha.
- Estou...! E também estou muito ocupado... a gente conversa depois...
- Queres realmente levar isso a sério?
- Mas eu não...
- Todo mundo viu vocês juntos na sexta!
Perdi a paciência. Nunca gostei de cobranças e aquela me parecia demasiada.
- E daí que eu estivesse querendo-tendo-ficando alguma coisa com quem quer que seja...?
- ... me incomoda...!
- E por quê? Nas tuas próprias palavras... – e a voz já subia de tom, imitando seu jeito rápido de falar, engolindo o começo e o fim das frases – “eu tenho alguém e estou tão feliz que nem cogito outro relacionamento!”. Pois deixa que eu te diga – subindo uma oitava – eu não tenho ninguém e eu não estou feliz. – acentuando os “eus” – portanto tenho todo o direito...
Foi quando me vi refletido na janela feia que dava pro paredão do prédio feio quase colado ao nosso. Em pé, afrouxando a gravata com gana, a mão um punho segurando o fone, o centro dos olhares: maliciosos uns, cúmplices poucos, repreensivos todos.
Sentei devagar na cadeira, baixei a cabeça,curvei as costas e disse num tom grave:
- Alô...
Não havia mais ninguém na linha. Desde quando?
- Filho da puta!!!
Voltei ao trabalho. Voltamos.
Nem um minuto havia se passado quando o telefone ao meu lado tocou novamente. Todos pararam e olharam na minha direção sem levantar a cabeça. Meu coração ficou aos saltos e minha respiração curta queimava meu peito. Embolei papel, abri e fechei gavetas e dei três leves murros na minha mesa.
Voltei ao trabalho. Voltamos. Um ritmo mais lento, aguardando, enquanto o telefone feria os meus ouvidos.
E logo em seguida outro. A mão foi instintiva na direção do aparelho, congelando no meio do caminho ante meus olhos arregalados. E então outro e mais um e todos.
O chefe olhou pelo vidro que nos separava. Cabeças baixas, teclávamos e escrevíamos e calculávamos freneticamente.
Ninguém atendeu.

domingo, junho 17, 2007

“CUIDEM BEM DOS ATORES...”

Shakespeare disse isso e completou que somos, os atores, as vozes do nosso tempo
E que tempos são esses? Desde a mudança de governo iniciou-se uma onda de esperança de dias melhores para a cultura do Pará e percebemos algum movimento, tímido, de reforma. A mudança na direção do Teatro Experimental Waldemar Henrique buscou atender uma demanda da própria classe artística, que se mobilizou – sempre com muita língua e poucas mãos – em reuniões, listas tríplices, campanhas, eleições e, espera-se, tenha-se conseguido um bom resultado. Até o momento não foi possível avaliar isso!
Foi criado ainda um Sistema Integrado de Teatros, o SIT, que sob a direção de Aílson Braga tem desenvolvido trabalhos no sentido de revitalizar, unificar, implementar, conhecer, fomentar – e outros verbos no infinitivo – nossa cultura no que ela tem de plural e de melhor, seja em que corrente atue. Sou amigo pessoal do Aílson, já tive o prazer de trabalhar com ele em vários momentos e reconheço suas qualidades como ator, diretor, dramaturgo, escritor e por isso creio que ele entenda nossas necessidades e se esforce para supri-las. Tarefa inglória. Alçado a essa condição, recai em suas costas os anseios de uma classe desunida que costuma ceifar mais do que semeou. Ao mesmo tempo um povo apaixonado pelo que faz, que abre mão de uma (pretensa) estabilidade social e econômica para levar adiante sua arte. O trabalho que o SIT iniciou ainda não é visível, mas eu ponho muita fé nele.
De cima da ribalta continuamos nós. E temos trabalhado bastante. Somos grupos muito jovens, como a Nós Outros – que prepara A Comédia dos Erros, de Shakespeare – e os Desabusados com seu Quem vai Levar Mariazinha Pra Passear?, veteranos como Cuíra e Gruta – respectivamente com Laquê e A Peleja dos soca-soca João cupu e Zé Bacu –, outros trabalhos, mais recentes, no entanto sob a tutela de grandes nomes do nosso teatro, como O Império de São Benedito, dirigido por Karine Jansen, que ainda montou uma instalação fotográfica sobre a história do teatro paraense, em exposição no Hall do Espaço cuíra e Em Carne e Osso, da Wlad Lima. Gente muito jovem em idade e experiência também dão seus passos, como o Kronus, que dia 29 de maio apresentou para um Waldemar Henrique lotado, Amor Barato, baseado na obra Amor de Perdição, do português Camilo Castelo Branco. O Nós do teatro estreou no último dia 08 de junho Arlequim, servidor de dois amos, dirigido por Rodrigues Neto – um dos espetáculos contemplados com o prêmio Miriam Muniz, da Fundação Nacional de Arte – FUNARTE, no anfiteatro da praça da República. A In Bust iniciou um projeto chamado Sábado Sim, Sábado Não, tem Teatro Infantil no Casarão, apresentando espetáculos voltados ao público infanto-juvenil, que ao custo de um brinquedo, ingressa no universo mágico de lendas, fantasias e bonecos com a própria In Bust e a Entreatos Companhia de Artes, que também se apresenta no Forte de São Pedro Nolasco, na Estação das Docas, com os espetáculos Histórias de Vagalume e Carro-Céu. No último 28 de abril a Escola de Teatro e Dança da UFPA promoveu o primeiro Cena Aberta de 2007, com performances de teatro, dança, música e uma exposição interativa de figurinos dos espetáculos promovidos pela instituição. Na mesma data a EDTUFPA recebeu oficialmente a posse do antigo prédio do MEC, que passa em definitivo a ser um espaço de aprendizado e, sobretudo, do fazer artístico na capital do Pará, celebrado com um abraço simbólico no prédio, que recebeu ainda recursos para a construção de um teatro experimental num de seus galpões. Na ocasião, Miguel Santa Brígida e o ICA (antigo Núcleo de Arte) lançaram O Auto do Círio 2007, com a apresentação do cartaz oficial do evento e um mini cortejo que reuniu personagens das diferentes matrizes artísticas e culturais que formam o espetáculo que vai à cena sempre na sexta-feira que antecede a procissão do círio de Nossa Senhora de Nazaré, em outubro, na Cidade Velha. Recentemente um movimento chamado Arruassa promoveu um encontro de performances e intervenções na praça do Carmo, reunindo vários artistas de Belém, apresentando teatro, música e artes plásticas. Num segundo momento e com o apoio do Cuíra, o Arruassa alterou a paisagem da Primeiro de Março, no Dia do Trabalho, questionando através de pinturas e grafites o abandono e descaso com aquela área da nossa cidade.
Muito mais gente está trabalhando, escrevendo, dirigindo, dançando – salve Ana Flávia Mendes e a Companhia Moderno de Dança! Salva, Jaime Amaral e seus bailarinos –, cantando – Júlio Freitas, Clepsidra, Vinil Laranja –, atuando dentro e fora dos palcos, iluminando – Milton Aires, David Matos, Sônia Lopes, Patrícia Gondim e Oriana Bitar – e sonorizando – Rutiel Felipe, o tico, Léo Bitar, Fábio Cavalcante, Marcus Paulo, João Paulo e Júnior Cabrali, os fantásticos (desculpem a falta de modéstia) músicos da Nós Outros – cenas, sem falar nos cenários e figurinos de Aníbal Pacha e Nando Lima.
Sei que muito mais gente está em plena atividade em Belém, mas por essas coisas que a gente não compreende, não nos conhecemos, não nos sabemos e não divulgamos o trabalho alheio – o que longe de nos roubar mercado, traria maior visibilidade pela multiplicação da propaganda boca-a-boca, defendida por Éster Sá, escritora, atriz e diretora, atualmente na Desabusados.
Aliás, dia desses, por e-mail, uma publicação carioca especializada em teatro me pediu indicação de iluminadores e cenógrafos para uma matéria. Indiquei quem eu conhecia. Quantos mais eu não conheço e não pude indicar? Saiam da toca! Escrevam pra nos-outros@hotmail.com, ou neste blog e deixem seus contatos. Vamos aparecer!!!
Não gostaria de me delongar e ainda nem comecei propriamente a falar do que pretendia com este artigo, mas antes me seria de muita valia se eu soubesse vossa opinião: quando vemos a Bienal de Música abortada por mesquinhas questões políticas, o declínio alarmante do Festival de Ópera – enquanto o de Manaus cresce maravilhosamente. Parabéns pra eles!!! –, os contratempos trazidos pela mudança do nome do concurso de canto lírico Bidu Sayão por questões de marcas – não questiono (muito) isso, apenas cito –, apesar de tanta gente e trabalhos acima citados, mas pouco vistos, pelo nosso descaso em formar platéias que nos assistam e não questionem boquiabertas que o ingresso ao espetáculo seja cobrado, pela ainda falta de espaço para ensaios, pela sempre dificuldade na captação de recursos para nossas montagens, qual é o futuro da Arte em Belém e no Estado do Pará? O que temos pra oferecer e o que queremos de volta?
Por favor, respondam. Usem este espaço, ou escrevam para nos-outros@hotmail.com.

sábado, junho 02, 2007

EU 5

O porteiro sequer olhou na minha cara. Tão automático quanto o portou, clicou meu acesso e voltou à TV com bundas e peitos sacolejantes.
No hall do primeiro bloco um casal de namorados, um rapaz ao celular, gesticulando. Ninguém viu a sombra que passou. “Fosse uma cobra...” diria minha avó num outro contexto.
O elevador subiu segundos antes que eu o alcançasse e como foi até o último andar, demorou a voltar. Esperei que ele trouxesse alguém e seria quase impossível abrir a porta e não dizer oi-boa-noite-e-aí-como-vai. Vazio, claro!
Segurei ainda a porta alguns minutos esperando que alguém chegasse e quisesse subir. Duas da manhã. Quem viria? Suspirei. Subi.
Na metade do caminho enfiei os dedos nos botões, travei o elevador entre dois andares e o mantive assim. Sorri ante meu próprio ato terrorista, meu momento de mando; rei de um cubículo prateado com súditos numéricos: x pessoas, ou tantos quilos. Até que era muita coisa!
O tempo foi passando. Dei de ombros.
Dane-se o porteiro mal-humorado recebendo dezenas de chamadas de gente querendo descer e reclamações de gente querendo subir. Dane-se o síndico acordado pela impaciente do 407 gritando que o elevador quebrara de novo. Às favas a gorda do 703 que só faz compras em supermercados 24 horas, bobes na cabeça. Pro inferno as gêmeas do 202. dollies mal-criadas e choronas à caminho da escola. Foda-se o boyzinho do 805, o tanquinho aparecendo toda vez que ele levanta os braços pra arrumar as mangas da camisa. E ele as ajeita muitas vezes. Morra da infarto a cobra do 501 comentando com a empregada sonolenta que a putinha do 304 já estava de sacanagem com o cara casado do 906.
Dane-se eu, se acho que alguém vai se incomodar com o elevador, comigo, ou com o que quer que seja.
Cinco da manhã. Quem?!
Suspirei. Desci.


Belém, Pará, 01 de junho de 2007.
15h54, modificado em 02.06.2007, 01h13.