domingo, janeiro 14, 2007

OS SETE SELOS

Este texto foi originalmente escrito para integrar a campanha da blogueira Luciane Fiúza de Mello, ou simplesmente Lu.
Visitem o blog dela e leiam as demais virtudes já postadas e outros textos. Prestigiem!
Transcrevo este, cria minha, para vossa apreciação.

1. HONESTIDADE: Eis que um homem saiu a caminhar. Tinha ele quatro anos para dar a volta ao mundo, retornando ao ponto exato da partida. De si, um facho de luz, sapatos confortáveis, um cajado onde se apoiasse, a roupa do corpo, mãos operosas e uma cabeça fervilhando de idéias. Deveria atender a demanda de muitos, dormir pouco, ouvir atentamente, falar com clareza. Essa talvez a sua maior virtude: suas palavras não teriam sentido diverso daquilo que expressavam e por isso ele tinha sido escolhido para essa missão. Já outros o antecederam e falharam exatamente neste ponto. O homem sabia – como seus antecessores – que as pessoas gostavam de ouvir promessas, porque é da natureza humana ter esperança; mas era seu dever ir além dos dizeres, não iludindo o povo com o ouro falso da oratória vã e não comprometendo assim aquele que lhe enviara.

2. SIMPLICIDADE: Consciente do poder que lhe fora conferido, o homem tivera dois caminhos a escolher: deixar que o povo fosse até ele, que os receberia em dia e hora acertados, atrás de uma grande mesa de madeira negra e lustrosa. Ricamente vestido, ele sabia que muitos sequer levantariam os olhos na direção do seu rosto, balbuciando meios pedidos e menosprezando suas próprias necessidades. Por outra, sairia ele mesmo do templo. Nessa condição, estava certo do escárnio de muitos que vêem a forma antes do fundo, e mais certo ainda de que tudo o que lhe fosse dito seria a expressão da verdade, porque também é da natureza dos homens se tratarem com irmãos quando se sentem acolhidos entre os seus pares.

3. EQÜIDADE: A ordem do seu senhor era de que servisse a todos e a todos contemplasse. Ele dissera ao homem que haveria grandes desejos, anseios equivocados, necessidades reais, pequenos favores. Cada um deveria ser recebido e justificado. Atendê-los significava buscar o interesse coletivo: um único e soberbo edifício, ou vários menores e confortáveis, formando diversos núcleos de trabalho e estudo? Pautas distribuídas pela relevância da obra, ou pela pomba de seus participantes? Áreas públicas livres, limpas e seguras, ou logradouros cercados de grades e taxas? Garantir o espaço de cada um e os recursos necessários a sua manutenção era um trabalho complexo, mas perfeitamente exeqüível.

4. SOLIDARIEDADE: Se é verdade que tempo é posto, é igualmente verdade que se alguém, ou grupo não receber oportunidades, nunca terá adquirido experiência bastante. O homem então precisaria dar chances a todos e premiá-los pelos seus esforços e méritos. Algumas decisões não pereceriam justas. Todas seriam questionadas, por ser ainda da natureza humana pedir mais do que precisa e colher onde não plantou (e isso não é privilégio dos menos humildes!), mas sua decisão seria acatada, não que ele fosse infalível – porque humano –, mas porque o precedia a fama de reto e justo.

5. RESPONSABILIDADE: Firmemente preso à cintura o homem levava um saco de couro cru. Nas dobras da roupa, papel e pena. No saco, parte do erário real que se destinava às suas múltiplas atividades, que eram cuidadosamente registradas. As moedas tinham uso variado, mas um único destino: tornar o povo mais ciente de si enquanto cidadão. Como um lavrador, o homem espalhou livros, mapas, tratados, códigos; mandou construir salas de estudo e trabalho, bibliotecas, móveis, instrumentos musicais, peças de calçado e vestuário. Distribuiu tintas, telas, pincéis e sapatilhas. Deu ainda condições de uso aos espaços existentes, seja por equipamentos, seja por recursos humanos qualificados e dedicados. Através de edital afixado em placa pública, qualquer pessoa poderia concorrer à ajuda real, reforçada por súditos abastados e zelosos do seu país, por entenderem que o povo letrado e culto é mais livre e mais feliz. E eram os próprios financiadores que decidiam com quanto e a quem iriam auxiliar. Em cada cidade havia um festival e bastava dobrar uma esquina para ser tomado pela música, poesia e teatro. E mesmo na maior festa religiosa do reino, quando cada grupo homenageava a padroeira conforme sua própria filosofia, havia um cuidado especial do senhor – não sem alguns olhares de esguelha! – para um grande cortejo promovido pelos artistas. E era tão belo e verdadeiro o espetáculo que ele ficou conhecido por todo o país e muito além dele, atraindo os descontentes, pois é da soberba humana denegrir, macular, ou destruir o que é feito com alegria e fora de levianos interesses.

6. DISPONIBILIDADE: Algumas palavras não eram jamais pronunciadas pelo homem: “Não é possível!”,“Não há condições!”, “Não temos espaço, ou verba, ou pessoal para isso...”,“Seu pedido não atende o perfil do nosso trabalho...”, “ Lamentamos informar...”, precedido pelo irritante “Neste momento que o parabenizamos pela iniciativa...” Por outra, seus auxiliares possuíam carga horária a cumprir e a executavam incontinenti, pois deveria ser da natureza humana ter responsabilidade com o que lhe é próprio e maior responsabilidade ainda com o que é alheio. E, mãos estendidas e sorriso franco – às vezes sob forte cansaço! – diziam sempre “Pois não?”, “Em que posso ajudar?”, “Sou eu quem deve ajudá-lo nessa tarefa!”, “Por favor, disponha de meus serviços!”, “Todos aqui são responsáveis por todas as atividades do espaço!”, “Será providenciado imediatamente!”. Os bons serviços de uns tornavam fácil o bom serviço dos outros e todos terminavam suas atividades com a certeza do dever cumprido e a felicidade natural que isso acarreta.

7. CONFIABILIDADE: Eis então o homem de volta ao local de onde partira quatro anos antes. Chegara no dia e hora combinados. Nada de seu se perdera porque por onde passava havia quem o acolhesse e o salário por seus serviços. Nada de mais nem de menos. Estava cansado, é certo, mas realizado. E o povo todo lhe pediu que ficasse e que estivesse com eles mais quatro anos. Com um sorriso bondoso o homem recusou. Já cumprira sua cota na obra do seu senhor e era tempo de ser substituído por outro, mais jovem, com um novo entusiasmo, novas idéias e mãos ainda mais ativas. Seu senhor também descansaria, pois o cetro que passa de mão recebe impulso novo e jamais se acomoda!